Estamos prestes a encerrar o mês de maio, sempre de intensa espiritualidade mariana entre os católicos. Marcado por novenas, cantos, rezas e terços que o povo oferece de coração – como buquês de rosas à uma pessoa muito querida. Também este ano, embora fortemente marcado pelo surgimento da pandemia do coronavírus – que ceifou a vida de milhares de pessoas e vem preocupando a imensa maioria – não afastou o cultivo da devoção mariana.
A Igreja, desde os primórdios, venera Maria como Theotókos: mãe do Deus encarnado. Tal veneração não significa idolatria, ou seja, cultuar ídolos. Maria, jamais toma o lugar de Jesus, ao contrário ela nos aponta para ele e nos leva a fazer o querer de seu Filho. No relato bíblico das Bodas de Caná da Galileia (relembrado na oração do rosário, no segundo mistério luminoso), ela nos diz: “Façam o que meu filho disser” (Cf. Jo 2,5).
No decorrer da história da Igreja, houve alguns excessos na devoção mariana, mas “o abuso, não anula o uso (…) a devoção não é abolida, mas renovada”1. O Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965), redescobriu a imagem histórica, antropológica e bíblica de Maria; ressaltando o seu papel – na condição de jovem simples, da pequena vila de Nazaré – que com seu sim colaborou com a história da salvação, e se tornou rainha pelo seu serviço discreto e humilde, silencioso e fecundo. Nela jamais estiveram presentes atitudes absolutistas e triunfalistas, que não correspondessem à lógica do Reino de Deus.
Sendo a concebida sem pecado original ela é indicação que nos aponta para o cordeiro sem mancha, exortando-nos a combater o pecado que nos destrói e destrói a vida de tantos irmãos. Pecado este que sugava o povo de Israel, sedento de vida e liberdade, e por isso, ela canta no seu belíssimo hino de louvor: “sua misericórdia se estende de geração em geração” (Cf. Lc 1,50). Canto esse que “mostra Maria como mulher capaz de se comprometer com sua realidade e diante dela ter voz profética.” (Doc. Aparecida 451). Esse canto igualmente exalta ao Deus próximo, que intervém na vida e história do seu povo através de pessoas simples e pobres (de espírito) – como foi Maria Santíssima.
Sobre a mediação de Maria, na relação com a humanidade, o Concílio Ecumênico Vaticano II já nos exortava, na constituição dogmática Lumen Gentium (sobre a Igreja), parágrafo 60:
“O nosso Mediador é só um, segundo as palavras do Apóstolo: ‘não há senão um Deus e um Mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo, que Se entregou a Si mesmo para redenção de todos ‘(1 Tm 2,5-6). Mas a função maternal de Maria em relação aos homens de modo algum ofusca ou diminui esta única mediação de Cristo; manifesta antes a sua eficácia. Com efeito, todo o influxo salvador da Virgem Santíssima sobre os homens se deve ao beneplácito divino e não a qualquer necessidade; deriva da abundância dos méritos de Cristo, funda-se na Sua mediação e dela depende inteiramente, haurindo aí toda a sua eficácia; de modo nenhum impede a união imediata dos fiéis com Cristo, antes a favorece.”
Além de ressaltar Maria não como aquela que ofusca, mas que nos alumia no encontro com o Cristo, o Papa Paulo VI, dois anos após o Concílio, através da exortação apostólica Signum Magnum, ressaltou o papel de Maria como Mãe da Igreja, aquela que reza e caminha com o povo de Deus, após a ascensão do Senhor (Cf. At 1,14) até a consumação dos séculos. No parágrafo 8 dessa exortação, o papa são Paulo VI, afirma:
“É a imitação de Jesus Cristo, indubitavelmente, o régio caminho a percorrer para chegar à santidade absoluta do Pai celeste. Mas, se a Igreja Católica sempre proclamou esta verdade tão sacrossanta, também afirmou que a imitação da Virgem Maria, longe de afastar as almas do fiel seguimento de Cristo, o torna mais amável, mais fácil; na verdade, havendo Ela cumprido sempre a vontade de Deus, mereceu em primeiro lugar o elogio que Jesus Cristo dirige aos discípulos: ‘Todo aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos Céus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe’ (Mt 12,50).”
Para bem concluir este mês mariano, poderíamos recorrer a uma fórmula antiga e sempre nova (de São Bernando): “Per Mariam ad Iesum” (Por Maria a Jesus). Seguir Maria, no silêncio, na oração, no serviço, na solidariedade com os necessitados, para chegar a Jesus, o “rosto da misericórdia” de Deus – como tanto nos lembra nosso querido Papa Francisco. Assim, nossa devoção não será aparente, mas viva e plena de sentido humano e cristão.
Por Felipe Borges
Seminarista Paulino
Referência:
1BEINERT, Wolfgang. Veneração cultural. In: O culto a Maria hoje. São Paulo: Edições Paulinas, 1980, p. 48.